sexta-feira, 20 de maio de 2016

Utopia e doutrinação

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O ser humano, antes de qualquer coisa, é um ser pensante, por isso ele cria, de tal modo que podemos criar as mais diversas histórias, verossímeis ou surreais, mas que sempre nos acompanham ao longo de nossas vidas porque o discurso estético contagia e influencia pessoas, temos necessidade de ficção e, sabendo disso, o homem usa a ficção conforme seus interesses.
Recorrer ao discurso literário se afirma por nossa necessidade de fantasia. Porém, a vida do bicho homem gira em torno de interesses, é aí que mora o perigo, onde desviam o papel da literatura como arte por sua finalidade em si mesma para distorcer conceitos, discursos e valores morais/sociais para doutrinar pessoas, bem como lucrar com isso.
Recorre-se tanto a literatura para a doutrinação por causa do que chamamos de verossimilhança com o real, bem como a descrição de palavras singelas que, por sua vez, emociona e transmite uma noção de verdade, a ponto de acreditarmos que tudo que está ali de fato aconteceu, pois confundimos a verdade do texto literário (sobre os fatos narrados na estória) com a verdade do mundo real (do dia a dia). Certo momento, ficção e realidade se fundem e confundem, tal confusão nos faz imaginar que seres imaginários possam de fato existir e assombrar nosso cotidiano, pois os fatos descritos pelo narrador/personagem são tão convincentes que chegam a nos fazer acreditar que lobisomem, fantasmas, deuses imaginários, etc., podem habitar e nos vigiar no plano real, pelo simples fato de a ficção ser assim, porque quem conta a estória, o narrador/personagem, se afirma numa testemunha ocular de que aquilo de fato aconteceu.
Uma das verdades disso tudo é que o fato de sermos, na maioria das vezes, ledores e não leitores, bem como preguiçosos para estudar teoria da narrativa e outras linhas de pesquisa permite que continuemos a persistir no erro, uma vez que o pior cego é aquele que não quer ver. A cegueira é algo que contagia, que pega de uma pessoa pra outra, que por isso ela pode ser financeiramente rentável, pessoas cegas agem na ilusão, sem usar a razão, a cegueira aprisiona pessoas, faz elas construírem muralhas e barreiras que as impedem de dialogar com o mundo.
Na ficção tudo é  possível, ela agrada até o mais leigo dos leitores, nos entregamos à ficção porque nos encantamos com ela, mas como? É tão parecido com o real que chega a confundir, não sei, como pode isso? Vamos entender, o ser humano tem sentidos, ele fala, chora, sorri, sofre, batalha, é traidor, etc., o texto ficcional nos dá a impressão de realidade justamente pelos personagens serem parecidos com a raça humana, onde o papagaio pode pensar e falar, a zebra cantar e dançar, etc, tudo é possível no mundo ficcional, é só deixar a imaginação fluir. Não acredita? Sente, escreva e crie seus próprios personagens, atribua-os características humanas para arrancar sorrisos e lágrimas do seu leitor, assim as obras de arte são criadas. Uma paisagem sem personagens falantes pouco atrairia nossa atenção, seria como uma paisagem morta, é preciso dar vida ao sonho, atribuir aos personagens a capacidade de falar, se comunicar, pensar, emocionar, etc., por isso nos atrai tanto.
No texto ficcional o autor, disfarçado de narrador/personagem, chega a ser tão persuasivo a ponto de nos fazer acreditar que aquilo que está na obra de fato aconteceu, acabamos por nos envolver e se entregar aos encantos das palavras ali contidas, pois pregam noções do bem falar e do bem viver. É aí que mora o perigo, pois as pessoas agem conforme seus próprios interesses e, assim como pessoas nos dizem coisas tendenciosas no dia a dia, elas também escrevem, chegando a favorecer mais um determinado grupo que a outro como, por exemplo, mais ao homem que à mulher.
Deveriam ser impostos limites, mas o fato é que a literatura faz com que tudo se torne possível, momento este que o bicho homem se aproveita para agir em detrimento de sua necessidade de poder, pregando o ódio contra o diferente, alimentando o preconceito contra todos que não aceitem tal ideologia, como se fossem bichos animalizados que precisam ser adestrados. E assim o perigo em se pregar tais ideologias reina no mundo real, onde uns caçam/gritam/discriminam aos outros, se separando como água e óleo. Enquanto uns brigam, outros ganham $$$$$$, de maneira que a caneta sempre está a ser usada, se afirmando enquanto arma de guerra para assinar e fundamentar leis que protege uns e extermina outros.
Nada é por acaso, nem mesmo a difusão e propagação de certas ideologias, o capitalismo gira em torno do lucro, a possibilidade de se ganhar dinheiro fácil alimenta o ego de quem quer sempre mais e mais, porque quanto mais melhor, há os que controlam e os que são controlados, de modo que a cegueira faz o homem servir aos interesses do controlador.
Descobriu-se que o bicho homem pode mobilizar exércitos, por isso se manipula tanto, para fazer o rebanho trabalhar em prol de interesses de uma minoria, e isso é lucrativo, há ideologias que movimentam milhões no setor industrial, disseminá-las chega a ser tão importante, quer dizer, lucrativo, satisfaz o ego de quem ganha, pois enquanto uns rezam outros lucram $$$$$$, ah, o lucro $$$$$$, compra pessoas, objetos, casas, mansões, indústrias, etc., disseminar determinadas ideologias é lucrativo para avantajar os que se dizem mais espertos, o ideal seria que cada um trabalhasse para sua própria sobrevivência, mas quando se faz um batalhão trabalhar para sustentar uma minoria é mais vantajoso, pelo menos para a minoria que faz usufruto desses lucros produzidos pela maioria.
É nesse momento que a cobra ganha asas, onde os discursos tendenciosos ganham asas, favorecendo mais a uns que a outros, onde o conceito de moral, ética, justiça, etc., disfarçados de igualdade social e racial, se afirmam enquanto desiguais, pois se a doutrinação separa as pessoas não há igualdade, há diferenças na forma de se ver, enxergar e tratar as pessoas. O bicho homem cria motivos para tudo, até para guerrear, para fazer uns matarem aos outros, como bichos caçadores que querem dizimar os demais de sua própria espécie, espalhando o ódio entre eles, cegando-os a ponto de eles não enxergarem que estão sendo usados, e eles continuam a ser usados porque não enxergam, não querem ver. Para que uns ganhem outros precisam perder $$$$$, uns perdem e outros ganham, ganham, ganham tanto $$$$$ como também perdem.
A possibilidade de ganhos alimenta a indústria, a literatura alimenta seres pensantes, seres pensantes alimentam a indústria, eis o ciclo, alimentar, quer dizer, alienar cabeças para fazê-las trabalhar em prol do sistema e/ou de projetos de poder, é onde entra a doutrinação ideológica, onde os discursos que ganharam asas na unha de sujeitos tendenciosos viram possibilidades de lucros, o lucro agrada o sistema, por isso se difunde tanto certas ideologias, pois pessoas cegas não conseguem ver nem mesmo o mais óbvio, já que a cegueira coletiva pode ser de interesse ao sistema e/ou pelo menos para alguns que transformam isso em lucro para alimentar a indústria que, por sua vez, não pode parar, os lucros precisam circular, e assim os lucros $$$$$ circulam onde o povo não quer enxergar.
Determinados discursos doutrinadores são produzidos por pessoas que agem de má fé, de modo que muito do que se produz é com o intuito de doutrinar pessoas, o que justifica a pregação de uma moralidade falsa, excludente, intimidadora, que mais cega que faz ver. O risco está no fato de falsos valores morais fundamentarem leis e normas sociais. Eis o perigo, deturpa-se tanto certos discursos para se empreender planos de dominação, impondo ideologias que mais castiga que salva o povo. O pior, nos impõem tais ideologias goela à baixo para que as aceitemos, sem mesmo com o direito de reclamar, de modo que muitos que resistem a tais imposições acabam por ser discriminados, excluídos, perseguidos e/ou até mortos. É a barbárie contra a humanidade legalizada, tudo conforme as leis dos homens, pois são eles que criam e modificam as leis, por isso nada mais prático que fundamentá-las e disseminá-las mais em prol de projetos de poder que à favor do bem comum. Tentamos lutar contra isso, mas somos somente células dentro deste vasto mundo, células são facilmente exterminadas, somos facilmente exterminados em razão de grandes projetos de poder, pois quem controla é quem comanda. E o silêncio paira porque temos o hábito de fechar os olhos para o sofrimento alheio, de maneira que pessoas costumam mais se divertir que sofrer com a desgraça do outro, não é à toa que a indústria do cinema, bem como de grandes obras de arte se mantêm graças à tragédia do personagem que sofre e padece em vida, pois este nada mais é que o retrato de nós mesmos, pois sofremos e padecemos ainda em vida, com desgraças e tragédias que assolam nossos caminhos. O que nutre a literatura nada mais é que o cotidiano, onde diferentes pessoas, situadas em espaço-tempo diferentes, manifestam na arte sua forma de ver e enxergar o mundo.
É possível fundamentar e criar leis com base em textos, bem como em obras já produzidas, tais leis refletem bastante o interesse dessa minoria que detém o poder da caneta para tirar e acrescentar normas e regras sociais, de modo que se o povo não estuda nem se interessa pelo assunto ele, automaticamente, transfere esse poder a outros, o que não deixa de ser um risco para o bem ou o mau da sociedade. O homem é ambicioso, quer administrar a vida de outros homens, por isso se ele não cria, ele copia, a fim de difundir a ideologia que o interessa, e ele não dá ponto sem nó, se disfarçam de bons, usam de nossa boa fé para atingir seus objetivos, por mais maquiavélicos que sejam.
O autor se afirma por sua capacidade de convencimento, de modo que na obra de arte ele lança mão de uma série de artifícios da linguagem para enfeitar o seu discurso, o tom da palavra varia entre o ameno e o intenso, o claro e o escuro, o colorido e a ausência de cores, de modo que alegra e enfeita as personagens. Assim como diverte, também nos faz sentir medo, frustração, angústia, revolta, etc., na ficção temos o encontro do bom e do mau, da força celeste e da força das trevas, é um jogo que seduz, aprisiona e liberta. Independentemente de ser bom ou mau determinado texto, o importante é ir de encontro a outras narrativas. Literatura educa, mas o amadurecimento do leitor só é possível quando ele vai de encontro a outros textos para confrontar opiniões.
A caneta é o pincel e o papel é como a tela onde se pinta e desenha coisas boas e ruins, de modo que o produto final varia conforme os interesses do autor. Porém, neste vasto campo, discursos e imagens se formam e transformam, bem como se suprime e deforma. Sejamos realistas, não há esforço sem interesse, as pessoas agem conforme seus próprios interesses, sejam eles particulares e/ou de grupo. Muitos se aproximam de nós por simplesmente gostarem de nós, já outros por interesses não revelados ou segundas intenções, é preciso malícia ao lidar com o outro, assim eles são, assim há de ser.
Necessitamos da ficção porque o mundo real é suficientemente chato, desbravar o desconhecido aguça nossa curiosidade e sentidos, nos proporciona prazer, a literatura ensina, educa e ainda é a chave para o outro mundo, de modo que entramos e saímos deste universo com tal naturalidade quanto o abrir e fechar uma obra de arte. A ficção é bastante usada para se propagar diversas ideologias porque ela contagia desde a criança até os mais velhos, pessoas querem crer e acreditar em alguma coisa, é aí que mora o perigo, tomar o inverídico como verdade pode nos gerar confusões e julgamentos perturbadores, a ponto de isso influenciar nossas relações sociais, bem como em julgamentos que mais nos separa que une. É preciso cuidado com determinadas ideologias que adentram nossas casas, se elas o permitem desde discriminar até cometer atos bárbaros contra outras pessoas, inclusive contra os de sua própria família, há algo muito errado nisso, ou com a ideologia que tu segues ou com tu mesmo. Como tomas para si uma ideologia que o permite causar sofrimento ao outro sem ao menos isso lhe fazer sentir nenhum remorso? Ora, há algo errado ou com as ideologias disseminadas ou com as pessoas.
Não acredites em tudo que estares a ler, até mesmo a verdade é uma coisa relativa. Tu confias em tudo que eu escrevo? Se não, como confias em tudo que o outro escreve! Há muitas mentiras disfarçadas de verdades, tenha malícia nobre leitor, a verdade é um conceito que merece ser contestado, seja para o bem ou para o mau. Se estás a ler somente um livro há algo errado, ou contigo ou com o livro, pois este se afirma enquanto relato que tem começo, meio e fim, e isso acontece justamente para que nos debrucemos sobre outras obras, indo de encontro a outros pontos de vista sobre o mundo que nos rodeia. A função da obra de arte é libertá-lo de ideologias e paradigmas sociais que o aprisionam, se o teu livro mais o aprisiona que o liberta talvez seja melhor repensares o que estares a ler, a leitura deve ser um passo para a libertação, não para a cegueira. Liberte-se nobre leitor, liberte-se de ideologias que o aprisiona, faz sofrer ou auto crucificar, vá de encontro com a luz, só a leitura pode ser a luz que o fará ver.
Espero que nestas poucas linhas algo tenhas aprendido, é preciso separar o bom do ruim, assim como impor limites às ideologias que permitimos adentrar nossas casas/vidas, ideologias são criadas pelo homem para administrar a vida do homem, é preciso cautela, escolher entre a cegueira ou a luz, de modo que esta segunda se revela em ideias reveladas nos livros.
Estou-me a ir, vá de encontro com a verdade, só “a verdade vos libertará", vá...


Andréia Franco
20/05/2016.

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